No último dia 28 de novembro, foi realizada a I Oficina de Trabalho do Projeto Integrador Multicêntrico: “Estudo do impacto à saúde de Agentes de Combate às Endemias/Guardas de Endemias pela exposição a agrotóxicos no Estado do Rio de Janeiro”, desenvolvido em colaboração pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz), Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (IESC/UFRJ). Pela manhã, os presentes participaram de uma roda de conversa sobre a conjuntura e os desafios para a pesquisa, para a organização e a saúde dos trabalhadores.
Representantes dos três sindicatos participantes do projeto (Sindsprev/RJ, Sintsaúderj e Sintrasef), assim como os pesquisadores envolvidos, apresentaram uma avaliação geral do momento político e seu significado para a luta dos trabalhadores pela saúde. Os trabalhadores destacaram a importância da unidade para a conquista de mudanças no processo de trabalho da categoria.
Os sindicatos entendem que a conjuntura pede uma ação maior de defesa do campo da saúde pública. Foi debatida também a necessidade de inclusão nas pautas dos sindicatos das questões relativas à saúde, ainda mais num contexto de precarização com a municipalização das contratações. Os pesquisadores do Cesteh veem a soma de forças e a busca de interesses comuns entre todos os participantes do projeto como fundamentais para a mudança do processo de trabalho e do banimento de produtos cancerígenos, como o Malathion (malationa), ainda empregado no pouco eficaz fumacê para eliminação de mosquitos adultos. Para os integrantes do projeto, as instituições de saúde têm um papel importante no desenvolvimento de uma ciência que subsidie a luta dos trabalhadores na geração de informação, na construção de propostas e soluções e na publicidade do trabalho realizado.
Para os participantes da oficina, a relação dos pesquisadores com os sindicatos busca ampliar essa compreensão, para que ambos os segmentos enfrentem argumentos dos setores, muitas vezes interessados no lucro e no uso de agrotóxicos, que com frequência contestam os resultados de pesquisas que questionam a segurança de seus produtos. Trabalhadores relatam seus processos de trabalho Os representantes dos sindicatos Sindsprev/RJ e Sintsaúderj relataram as suas atividades e apresentaram um histórico da atuação dessa categoria desde a década de 1980. Ressaltaram que, até 1991, a maioria das bombas utilizadas para a pulverização eram manuais e que, ao longo dos anos 1990, foram introduzidas as bombas de Ultra Baixo Volume (UBV). Nesse período, havia uma grande rotatividade de inseticidas e os trabalhadores usavam, entre outros agrotóxicos, o Malathion, no UBV (fumacê) e no tratamento perifocal. Também nessa década, o combate passou a ser realizado nos chamados pontos estratégicos como oficinas, borracharias e cemitérios, a cada 15 dias. Alerta para a contaminação Os agravos relacionados ao uso de agrotóxicos em campanhas de saúde pública vêm sendo relatados há décadas, com os impactos do uso de organoclorados como o DDT e BHC. Contudo, o alerta para a contaminação desses trabalhadores se deu nos anos 1990, a partir dos primeiros quadros de intoxicação de 122 servidores, que foram atendidos na Fiocruz e, depois, encaminhados para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ). “Pela primeira vez estávamos tendo ciência da gravidade dos produtos com os quais trabalhamos”, disse um dos trabalhadores. Em 2010, foram atendidos no Cesteh 434 agentes de combate às endemias/guardas de endemias, sendo 15% deles diagnosticados com tremor essencial. Omissão sobre os perigos da contaminação Os trabalhadores traçaram um breve histórico do processo de capacitação desde o final dos anos 1970. Algumas normas básicas de proteção à exposição só foram apresentadas dez anos depois, como: não utilizar a bomba de pulverização contra o vento, importância da lavagem dos uniformes, da higienização das mãos e de não ingerir alimentos durante o trabalho, entre outras.
Para os trabalhadores, houve negligência por parte do Ministério da Saúde, dos Estados e das secretarias municipais, tanto em relação à ausência de acompanhamento médico e exames periódicos, como pela pouca informação sobre os riscos de contaminação. Apenas o exame de colinesterase era realizado nos trabalhadores por guardas de endemias treinados para essa finalidade. Os resultados eram enviados uma semana depois para um servidor em chefia, com uma lista dos que deveriam ficar afastados, por uma semana, do trabalho no campo. Como agravante, o trabalhador afastado perdia a gratificação por essa atividade. Essa forma de afastamento e retorno dos trabalhadores ainda acontece. Uma das graves denúncias feitas foi que, nos anos 1990, havia pouco conhecimento por parte dos trabalhadores e da população sobre o combate às larvas e ao mosquito causador das doenças (Aedes aegypti). Nas visitas a residências, os guardas de endemias eram orientados pelos supervisores da FUNASA a ingerir o Temefós, um larvicida organofosforado, diluído em água, para convencer os moradores de que o produto não teria efeitos na saúde ao ser adicionado em caixas d´água e em filtros de barro. Esse foi um dos processos que certamente causou maior exposição aos trabalhadores. Para os integrantes da pesquisa, a avaliação dos efeitos à saúde causados pelos diferentes agrotóxicos usados ao longo das últimas décadas por estes trabalhadores pode oferecer subsídios para a mudança do processo de trabalho da categoria. Os trabalhadores relataram ainda que está sendo realizado pelos sindicatos um levantamento sobre os casos de óbitos entre os agentes de combate às endemias/guardas de endemias ocorridos nos últimos anos.
Numa avaliação preliminar, que será aprofundada no projeto, se observa uma elevada quantidade de óbitos, onde os casos de câncer foram significativos. Exposição e crítica à existência de limites seguros para produtos cancerígenos Na parte da tarde, foram realizadas discussões sobre os agrotóxicos utilizados no combate às endemias e a luta pelo banimento do Malathion. O agrotóxico é um dos principais utilizados no combate às endemias no Rio de Janeiro, na modalidade de aplicação em UBV (fumacê) e em Pontos Estratégicos. Ele é considerado como provável carcinógeno pela International Agency for Research on Cancer (IARC) da Organização Mundial da Saúde da (OMS). Os rótulos e bulas do veneno trazem extensa informação sobre a toxicidade da malationa e apontam várias restrições que devem ser observadas nos processos de trabalho que empregam o agrotóxico. O INCA e outros integrantes da oficina questionaram a visão hegemônica da toxicologia, que ainda considera limites para compostos que são sabidamente cancerígenos e que, portanto, não haveria como estabelecer dose segura para exposição, como é o caso da malationa.
O desenvolvimento do Projeto Integrador Multicêntrico é uma possibilidade de se produzir críticas a esta abordagem, a partir de um conhecimento construído com os trabalhadores em uma comunidade ampliada de pesquisa. Exames periódicos Os trabalhadores denunciaram a ausência de exames específicos para acompanhar os riscos de contaminação pela exposição. No caso dos servidores públicos, o exame periódico dever ser oferecido ao trabalhador, mas não é uma obrigatoriedade para este. Ainda assim, o que se oferece é uma espécie de “cesta básica” de exames, o que limita a identificação de doenças relacionadas à exposição aos agrotóxicos. Segundo os pesquisadores, em uma exposição relacionada à possibilidade de ocorrência de câncer, as análises deveriam estar pautadas pelo princípio da exposição zero. Formação em Saúde do Trabalhador Os participantes da oficina debateram também a formação em Saúde do Trabalhador na perspectiva da problematização do tema pelo coletivo de sujeitos envolvidos no processo de trabalho. Uma formação que se apresenta como geradora de mudanças para o trabalhador. Dois princípios básicos devem ser considerados no processo de formação no campo: a não culpabilização do trabalhador e o trabalho sendo a categoria central na vida das pessoas. O questionamento de que tipo de ciência está sendo produzida e a quem se destina também é uma questão para o campo de estudo da Saúde do Trabalhador. É preciso levar em consideração a experiência e o saber do trabalhador no processo de realização das pesquisas.